quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Mais do que um jogo: o esporte e o continente africano (livro)

Lançamento do livro “Mais do que um jogo: o esporte e o continente africano” (Editora Apicuri), organizado por Victor Andrade de Melo, Marcelo Bittencourt e Augusto Nascimento, dia 10 de dezembro, a partir das 18h30, na livraria Folha Seca, à Rua do Ouvidor, n.37, Rio de Janeiro

Fonte: e-mail gentilmente enviado pela Profa. Luana Antunes Costa em 08 de dezembro de 2010.

sábado, 23 de outubro de 2010

PELÉ 70 ANOS

PELÉ 70 ANOS

Prezados(as),

O cidadão mais conhecido do mundo, de feitos que ultrapassaram as quatro linhas do velho esporte bretão, que os pouparei de numerá-los aqui é o NEGRO Edson Arantes do Nascimento, o PELÉ, que completa hoje 70 anos.

Parabéns ao Rei do Futebol, Atleta do Século, Cidadão do Mundo, referência quando o assunto é excelência em qualquer área!

Dentre tantos textos incríveis que andei lendo nos últimos dias, escolhi a primeira crônica que Nelson Rodrigues menciona Pelé pela primeira vez e já o chama de Rei.

Abraços,
Ricardo Riso


Primeira crônica de Nelson Rodrigues sobre Pelé - 25/02/1958
Santos 5x3 América, 25/02/1958, no Maracanã, pelo Torneio Rio-São Paulo

Fonte: http://blog.soccerlogos.com.br/2008/04/21/primeira-cronica-de-nelson-rodrigues-sobre-pele-25021958/

Depois do jogo América x Santos, seria uma crime não fazer de Pelé o meu personagem da semana. Grande figura, que o meu confrade Albert Laurence chama de “o Domingos da Guia do ataque”. Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: — dezessete anos! Há certas idades que são aberrantes, inverossímeis. Uma delas é a de Pelé. Eu, com mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter dezessete anos, jamais. Pois bem: — verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racionalmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: — Ponham-no em qualquer rancho e sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor.

O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: — a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento. E o meu personagem tem uma tal sensação de superioridade que não faz cerimônias. Já lhe perguntaram: — “Quem é o maior meia do mundo?”. Ele respondeu, com a ênfase das certeza eternas: — “Eu”. Insistiram: — “Qual é o maior ponta do mundo?”. E Pelé: — “Eu”. Em outro qualquer, esse desplante faria rir ou sorrir. Mas o fabuloso craque põe no que diz uma tal carga de convicção, que ninguém reage e todos passam a admitir que ele seja, realmente, o maior de todas as posições. Nas pontas, nas meias e no centro, há de ser o mesmo, isto é, o incomparável Pelé.

Vejam o que ele fez, outro dia, no já referido América x Santos. Enfiou, e quase sempre pelo esforço pessoal, quatro gols em Pompéia. Sozinho, liquidou a partida, liquidou o América, monopolizou o placar. Ao meu lado, um americano doente estrebuchava: — “Vá jogar bem assim no diabo que o carregue!”. De certa feita, foi até desmoralizante. Ainda no primeiro tempo, ele recebe o couro no meio do campo. Outro qualquer teria despachado. Pelé, não. Olha para frente e o caminho até o gol está entupido de adversários. Mas o homem resolve fazer tudo sozinho. Dribla o primeiro e o segundo. Vem-lhe ao encalço, ferozmente, o terceiro, que Pelé corta sensacionalmente. Numa palavra: — sem passar a ninguém e sem ajuda de ninguém, ele promoveu a destruição minuciosa e sádica da defesa rubra. Até que chegou um momento em que não havia mais ninguém para driblar. Não existia uma defesa. Ou por outra: — a defesa estava indefesa. E, então, livre na área inimiga, Pelé achou que era demais driblar Pompéia e encaçapou de maneira genial e inapelável.

Ora, para fazer um gol assim não basta apenas o simples e puro futebol. É preciso algo mais, ou seja, essa plenitude de confiança, certeza, de otimismo, que faz de Pelé o craque imbatível. Quero crer que a sua maior virtude é, justamente, a imodéstia absoluta. Põe-se por cima de tudo e de todos. E acaba intimidando a própria bola, que vem aos seus pés com uma lambida docilidade de cadelinha. Hoje, até uma cambaxirra sabe que Pelé é imprescindível em qualquer escrete. Na Suécia, ele não tremerá de ninguém. Há de olhar os húngaros, os ingleses, os russos de alto a baixo. Não se inferiorizará diante de ninguém. E é dessa atitude viril e mesmo insolente que precisamos. Sim, amigos: — aposto minha cabeça como Pelé vai achar todos os nossos adversários uns pernas-de-pau.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Um outro 16 de junho que não deve ser esquecido

por Ricardo Riso

16 de junho de 2010, Copa do Mundo de Futebol sendo realizada na África do Sul. Em meio ao evento, torna-se imperioso recordar o que aconteceu há exatos 34 anos. Naquela época, o país vivia sob o tenebroso e injustificável regime do apartheid promovido pela minoria branca conhecida como afrikander.

No dia 16 de junho de 1976 um grupo de estudantes negros organizou uma passeata em Soweto para protestar contra a imposição do ensino do idioma dos brancos, o afrikanns, junto à língua inglesa nas escolas somente frequentadas pelos negros. Como resultado, a repressão violenta e estúpida por parte das autoridades regidas pelo apartheid aos estudantes, que combatiam o mais cruel meio assimilacionista: a imposição da língua.

No fim, em torno de 500 pessoas foram assassinadas, sendo que, dentre os mortos, o jovem de 13 anos, Hector Pieterson acabou entrando para a História por causa de uma foto que o mostra agonizando nos braços de outra pessoa. Essa imagem correu o mundo e provocou a revolta dos negros sul-africanos em diversos pontos do país.

Isso só para relembrar o quanto foi difícil e tortuoso o caminho até o fim do apartheid em 1990. Se hoje ocorre o maior evento do mundo na África do Sul, não devemos esquecer o que a população negra deste país sofreu até chegar a este 16 de junho.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Gyan, o autor do gol de Gana contra a Sérvia


Toda a África está conosco. Eu saúdo todos vocês. Nós vencemos esse jogo para vocês,
bradou Gyan, o autor do gol de Gana contra a Sérvia, hoje. 
(Fonte: Blog da Cidinha)

Lindo gesto, linda frase... extrema sabedoria pan-africana! Por enquanto, o momento mais bonito da Copa!
Ricardo Riso

O Brasil que se quer branco não elogia as mulheres negras presentes na Copa

Por Ricardo Riso

É impressionante como o racismo se apresenta nas transmissões brasileiras durante os jogos da Copa do Mundo e nos demais canais de comunicação. Há pouco, deparei-me com esta matéria no site do G1: “Gatas na partida entre Holanda e Dinamarca - Lindas torcedoras marcam presença no duelo europeu”. Trata-se de uma série de fotos tiradas das mulheres nas arquibancadas. Todas brancas, louras, lábios finos e cabelos lisos. Por outro lado, o site UOL mostra-se sensível: de trinta e nove fotos das “Musas da Copa” encontramos duas negras, ou seja, 5,13%.

A transmissão da Copa sempre destaca as mulheres nas arquibancadas. As negras estão em grande número, principalmente nos jogos das seleções africanas. Todas lindas e belas com seus cabelos trançados, magnânimos sorrisos e danças inebriantes, porém nenhum narrador destaca a beleza dessas mulheres, quando falam sobre elas, veem os estereótipos da festa constante, da alegria sem fim... Jamais, eu disse, jamais fala-se que elas são bonitas, que elas são meigas, que elas são carinhosas... Afinal, na sociedade brasileira foi vilipendiado o afeto à mulher negra, por isso a dificuldade dos narradores de transpor as qualidades que são ditas às brancas, às negras, pois às negras resta o desprezo, o nojo, quando muito o desejo sexual violento, ausente de amor.

Essa é a triste realidade de um país com maioria negra e mestiça, mas que se quer branco. Entretanto, como sou insistente, regozijo-me sempre quando os sorrisos dessas lindas mulheres negras aparecem na televisão, contrastando com alguns tenebrosos jogos desta Copa do Mundo.

Bom, enquanto aguardo que o site G1 faça um álbum com as mulheres negras da Copa, brado, em alto e bom som:

Viva às mulheres negras da Costa do Marfim!

Viva às mulheres negras de Gana!

Viva às mulheres negras de Camarões!

Viva às mulheres negras da África do Sul!

Viva, sobretudo, às mulheres negras brasileiras!!!

Época de Copa do Mundo, Barbosa merece ser lembrado

Por Ricardo Riso

A maior pena que existe para um crime no Brasil é de trinta anos. Mas desde 1950 eu sou condenado.
(Barbosa frase extraída do livro “A pátria em chuteiras – novas crônicas de futebol” de Nelson Rodrigues)

Aproxima-se uma nova estreia do Brasil em Copa do Mundo e urge recordar o jogador que sofreu a maior perseguição já afligida por um cidadão brasileiro, falamos do goleiro da Copa do Mundo de 1950, o negro Moacir Barbosa Nascimento. Pode-se perceber pela epígrafe que a declaração de Barbosa assinala a pena de vida à qual foi obrigado a viver até o dia 8 de abril de 2000, data de seu falecimento.

O drama do vitorioso goleiro Barbosa, nascido a 27 de março de 1921 na cidade de Campinas/SP, se deu após o chute fulminante do atacante uruguaio Ghiggia à meta canarinha, o fatídico gol que decretou a derrota brasileira, consagrando a seleção celeste bi-campeã na partida que entrou para a História como Maracanazzo. A tragédia maior do país, presenciada por duzentas mil pessoas, reforçou diversas máximas racistas ao jogador negro, a maior delas, talvez, a de que negro não serve para goleiro.

Esse fato motivou as artimanhas peculiares do racismo brasileiro e as suas formas perversas de exclusão. Conceito que somente foi revisto após a carreira brilhante do goleiro Dida, consagrado no Corinthians e no Milan italiano, tornando-se goleiro titular do Brasil na Copa de 2006, 56 anos depois de Barbosa. Repito: 56 anos se passaram para que um excepcional goleiro negro pudesse voltar ao gol da seleção e rompesse a barreira do preconceito.

Em razão do distanciamento temporal e das raras imagens da partida - eu, por exemplo, até hoje só vi o lance do gol, mesmo assim já com Ghiggia próximo ao gol brasileiro -, válida é a frase de Nelson Rodrigues nove anos após a funesta derrota nacional: “Quando se fala em 50, ninguém pensa num colapso geral, numa pane coletiva. Não. O sujeito pensa em Barbosa, o sujeito descarrega em Barbosa a responsabilidade maciça, compacta, da derrota. O gol de Ghiggia ficou gravado na memória nacional, como um frango eterno. O brasileiro já se esqueceu da febre amarela, da vacina obrigatória, do assassinato de Pinheiro Machado. Mas o que ele não esquece nem a tiro é o chamado frango de Barbosa.” (1)

Tristeza maior, e lembro-me muito bem dessa, se deu na concentração da seleção brasileira no dia 16/09/1993, durante as eliminatórias à Copa de 1994. O Brasil faria uma partida decisiva contra o Uruguai no Maracanã, caso perdesse não iria para o Mundial. Barbosa foi visitar a delegação nacional a convite de um jornal e foi sumariamente impossibilitado de falar com os jogadores, diante do absurdo argumento de que traria azar ao grupo. O agravante: nenhum responsável pela seleção brasileira, desde o técnico Carlos Alberto Parreira ao então e atual presidente da CBF, Ricardo Teixeira, veio a público se retratar, apesar da repercussão negativa do episódio à época (2). 43 anos depois e já com 72 anos, o goleiro ainda era estigmatizado pela derrota de 50. O azar sendo invocado para esconder o preconceito racial.

Barbosa foi quem mais penou com a derrota de 50, porém foi acompanhado, em menor escala, também pelos negros Juvenal e Bigode, este acusado de covarde por ter sido agredido pelo uruguaio Obdulio Varella. Essa foi a famosa agressão que ninguém viu, mas que a imprensa brasileira propagou nos anos seguintes, forjando mais um estereótiopo ao jogador negro: o de que era covarde.


Por isso, a razão deste texto, para demonstrar o quanto o preconceito racial brasileiro é perverso, capaz de condenar um grande goleiro por toda a sua vida apesar dos vários títulos que ganhou, tanto pela seleção brasileira (Copa América - 1949, Taça Rio Branco - 1950 e Torneio de Santiago do Chile - 1953), quanto pelo campeoníssimo Expresso da Vitória, o Vasco da Gama dos anos 1940/1950 (Campeonato Carioca de 1945, 1947, 1949, 1950, 1952 e 1958; Torneio Quadrangular do Rio: 1953; Torneio Rio - São Paulo: 1958; e Sul-Americano de Clubes: 1948). Vestiu a camisa do Brasil em 22 jogos, alcançando 16 vitórias, 2 empates e 4 derrotas. Defendeu as camisas do pernambucano Santa Cruz, e dos cariocas Bonsucesso e Campo Grande, clube no qual encerrou a carreira em 1960. (3)

Ao senhor Moacir Barbosa do Nascimento, onde quer que esteja realizando sensacionais defesas, aqui termino com carinho.

Ricardo Riso

NOTAS:
(1) RODRIGUES, Nelson. A pátria em chuteiras – novas crônicas de futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 69

(2) Daolio, Jocimar. A superstição no futebol brasileiro. In: Daolio, Jocimar (ORG). Futebol, cultura e sociedade. XXXX: Autores Associados, 2005. p. 10.

(3) MARTINS, Alexandre. Perfil de Barbosa – o goleiro do Maracanaço. Blog História do Futebol – Parte II. Em http://blog.cacellain.com.br/2009/05/29/perfil-de-barbosa-o-goleiro-do-maracanaco/ acessado em 14/06/2010.
FOTO 1 - Foto de Barbosa, site da CBF. Em < http://www.cbf.com.br/php/craques_copas.php?j=27 > acessado em 14/06/2010.FOTO 2 - Equipe titular da final da Copa de 1950. Em pé: Barbosa, Augusto, Juvenal, Bauer, Danilo Alvim e Bigode. Agachados: Johnson (massagista), Friaça, Zizinho, Ademir Menezes, Jair Rosa Pinto, Chico e Mário Américo (massagista). Foto do site da CBF. Em < http://www.cbf.com.br/php/copas.php?ano=1950 > acessado em 14/06/2010.



quarta-feira, 9 de junho de 2010

Onde estão os jornalistas negros na imprensa esportiva brasileira?

Um dado deve estar causando estranheza aos sul-africanos: não há negros na imprensa esportiva brasileira que se encontra em solo africano, pelo menos na mídia televisiva. Torço para que eu esteja errado. Se sim, corrijam-me, por favor.


Esta é apenas mais uma peculiaridade da democracia racial brasileira.

Não seria necessário começar uma campanha de cotas para negros na imprensa esportiva, ou na imprensa televisa de um modo geral?
 
Ricardo Riso

domingo, 30 de maio de 2010

No futebol, questão racial não importa para as relações afetivas (??)

A matéria a seguir foi publicada na edição on line do jornal Folha de São Paulo. Seu título, No futebol, questão racial não importa para as relações afetivas,  tenta encobrir, sem sucesso, o racismo que há na relação das chamadas Maria-Chuteiras com os deslumbrados jogadores negros de futebol.

Aqui temos algumas questões que merecem vir à tona. A primeira refere-se ao negro que consegue ascender socialmente neste país e para completar a sua ascensão ele "necessita" ter uma mulher branca como companheira. Uma outra questão é que o homem negro só é aceito pela mulher branca se apresentar uma condição social elevada e, principalmente, uma conta bancária polpuda. Sim, há exceções, porém, raras. Vale recordar que são uniões que sofrem com os estereótipos, tais como: "ela gosta da coisa preta", ou o "negro de alma branca" que a família da mulher branca é obrigada a aceitar. Outro ponto a ser levantado é  de como o estereótipo do negro como objeto sexual permanece em nossa sociedade, a verdadeira máquina de sexo. Se com o homem negro é assim, não preciso mencionar o que a mulher negra passa.

Por isso, afirmo aos irmãos negros que há mulheres brancas que jamais nos relacionaremos porque elas sentem nojo - sim, irmão, é esta a palavra! - de negros, assim como conhecemos diversos brancos que não se relacionam com mulheres negras pelo mesmo motivo.

Portanto, irmão, quando conseguir atingir um patamar social no qual os da nossa cor são tão poucos, quase inexistentes, não faça como esses jogadores de futebol, não se esqueça daquela sua pretinha. Nós, negros, agradecemos.
Ricardo Riso


No futebol, questão racial não importa para as relações afetivas
FERNANDA MENA, DE SÃO PAULO

O futebol é uma varinha de condão. Dentre as mágicas de que ele é capaz, está a de diluir, e mesmo apagar, a questão racial de quadro quando o assunto é de ordem amorosa ou sexual.

"O futebol é um dos únicos espaços em que a questão racial é menos importante para as mediações amorosas", diz a pesquisadora Leda Maria da Costa, do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Esporte e Sociedade da Universidade Federal Fluminense.

"Não importa a cor ou a beleza, o que interessa às mulheres fascinadas em jogadores de futebol é a aura e o status social que eles têm."

A conversa entre mulheres é flagrante, conforme a Folha apurou nos corredores e nas arquibancadas do Parque Antarctica, no último dia 22, durante a partida entre Palmeiras e Grêmio.

Qual o jogador é seu objeto de desejo? "Vagner Love", dispara, sem piscar, a advogada Neide Delaurentis, 35, escova no cabelo, rosto maquiado. Gosta dele pela beleza ou pela conta bancária? "Ah, pelas duas coisas."

Ficaria com ele se fosse apenas um vizinho, e não um jogador famoso? "Aí não", admite.

"Não que eu seja racista, mas, se uma pessoa negra me abordar, vou pesquisar se ele é advogado, jogador de futebol, homem trabalhador. Se for jogador de futebol, o que está relacionado é o dinheiro mesmo", completa.

A empresária Gilmara dos Reis, 24, também não esconde como o mundo de fama e riqueza do futebol pode moldar --ou liberar-- seu desejo.

Quando vai aos estádios, deixa o namorado "branquinho" e não tira os olhos das pernas musculosas dos jogadores de pele negra.

"É cada pernão", diz, se abanando.

Mas, se há tanto fascínio pelo corpo do homem negro em campo, por que não procurá-los fora dos estádios?

"Ah, não. Se não for jogador, eu fico com meu branquinho lá em casa."

Leda tira a teima: "O que media a relação é o status do jogador, e não mais sua cor ou sua raça. Aquilo que pode ser um fator decisivo nas escolhas amorosas deixa de ser importante dentro do universo do futebol."

A pesquisadora estudou a figura das marias chuteiras em oposição à ascensão da figura da torcedora mulher. E destrinchou o momento em que o jogador de futebol emerge como objeto de desejo feminino.

Foi nos anos 1920 que a figura do homem atlético substituiu a figura franzina e sisuda do homem das letras, que antes povoava as fantasias das moças. Essa mudança surge aliada à visibilidade social que os jogadores começam a ter com a popularização do futebol.

"Existe um percurso imaginário em torno do jogador de futebol, que não só atrai fisicamente mas que também é rico e está absolutamente imerso na mídia."

Mais recentemente, o tetracampeonato de 1994, ao quebrar um jejum de 24 anos, promoveu o futebol a tema de colunas sociais e revistas de celebridades, evidenciando os salários milionários e a rotina de férias, carros e roupas de luxo dos jogadores.

Nesse contexto, a mulher bonita se torna apenas mais um símbolo de status, como um carro do ano.

Para Leda, no entanto, as diferenças pesam, mesmo que veladamente. "Qualquer negro que ascende socialmente e se casa com uma branca é cobrado por isso. E o caso do jogador de futebol não foge à regra. É uma questão complexa.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Armando Nogueira (14/01/1927 – 29/01/2010)

Uma das pessoas responsáveis pela minha paixão por futebol deixou-nos. Seu nome: Armando Nogueira. Jornalista de traço fino, cultor da língua portuguesa, consagrou-se com o lirismo de suas crônicas esportivas, valorizando sempre o caráter humano dos atletas.

Por suas letras aprendi a respeitar e admirar os craques do passado que não vi jogar, aprendi, sobretudo, que o futebol, assim como a vida, possui a presença do imponderável e que não existem regras e fórmulas científicas para definir e padronizar o jogo e o atleta.

Armando, sua fala pausada, elegância, delicadeza, ética e honestidade sempre me fizeram respeitá-lo e admirá-lo. O senhor foi um exemplo que muito contribuiu na minha formação.

Um grande abraço,
Ricardo Riso

quarta-feira, 10 de março de 2010

O problema de Adriano mascara o racismo ao jogador negro

Por Ricardo Riso

Adriano, o ótimo atacante do Flamengo, volta a ser o centro das atenções do noticiário sensacionalista que domina o país. Infelizmente, o que ele melhor sabe fazer, que é jogar futebol, fica em segundo plano em razão das atitudes tomadas pelo conturbado jogador. Entretanto, o massacre midiático, o julgamento e as rápidas definições para o problema de Adriano revelam os diversos preconceitos ocultos em nossa sociedade.

Adriano incomoda por ser um negro que contraria as estatísticas. Oriundo da favela Vila Cruzeiro, conseguiu vencer na vida e se tornou um jogador bem sucedido na sua profissão, com um salário estratosférico para os padrões nacionais, mas compatível com o mercado mundial da bola. Adriano, incomoda ainda, ou o melhor seria dizer que Adriano agride a sociedade ao não renegar as suas raízes, o seu passado, ao sempre lembrar que veio da favela e que jamais a abandonará. Ele procura preservar a sua identidade e se refugia nela quando o andamento dessa sua vida de jovem rico cria obstáculos.

Esse vínculo com o passado é discriminado pela sociedade que se quer branca, limpa e bem sucedida. Chega a ser tratado com hostilidade, pois não se pode aceitar que aquele negro condenado ao fracasso histórico e natural que todos nós, negros, sofremos, tenha atingido um patamar de vida invejado por muitos, possa continuar frequentando favelas e permanecer entre negros e pobres.

Com isso, a hipocrisia e o racismo à brasileira emergem com todas as suas garras das profundezas de uma sociedade que se idealiza branca. Logo, os julgamentos são postos e repetidos à exaustão. Adriano já foi chamado de alcoólatra, dependente de cocaína, envolvimento com o tráfico etc. Adriano já afirmou que tem problema com bebida, mas daí a ser chamado de alcoólatra há uma distância imensa, prova de total desrespeito com o indivíduo. O pior é que são acusações sem que nada tenha sido comprovado e citadas a todo instante, pois é exatamente isso que se espera de um negro. Para nós, negros, principalmente entre os poucos que conseguem aparecer com destaque na sociedade brasileira, exige-se uma conduta exemplar, puritana, sem desvios nem erros.

A imprensa, ávida por escândalos, fica impaciente e espera a primeira escorregada (muitas vezes sem checar se o caso realmente aconteceu, prática que tem se tornado comum em nossa digníssima imprensa) de um atleta negro para iniciar o apedrejamento que será acompanhado com voracidade pela sociedade. Aqui, temos um grave problema do mundo contemporâneo: a obsessão pela vida privada dos seus ídolos. Contudo, outro aspecto vem à tona: o mórbido prazer em acompanhar a destruição de um ídolo, com maior interesse se for um negro vindo da miséria. Trata-se de um interesse universal, apenas para citar alguns casos notórios, podemos recordar o artista plástico negro Jean-Michel Basquiat (o maior nome da arte americana nos anos 1980), o pugilista Mike Tyson, e aquele que vinha sendo apontado até o ano passado como o próximo fracassado, o nosso Ronaldinho Gaúcho. Mas este parece que irá contrariar as estatísticas novamente. Rapaz insistente.

Penso que cabe uma reflexão profunda a respeito da (de)formação de jogadores realizada nas categorias de base dos clubes brasileiros. Nossos jogadores chegam ao time profissional com um comportamento cada vez mais fútil, individualista, deslumbrado e imaturo. Cercados por empresários e dirigentes inescrupulosos que os vêm como mercadorias e perpetuam o tráfico negreiro em nosso país, pelas marias-chuteiras (negras são raras) que eles jamais poderiam possuir na condição de negros miseráveis e invisíveis, vemos jovens negros sendo entregues à própria sorte, desorientados e sem estrutura emocional para a mudança brusca de vida que, graças ao talento com a bola, os proporcionou tudo o que a Casa Grande os rejeitou. Os exemplos são vários, em diferentes níveis, são os Ronaldos, Robinhos, Joões, Silvas... o do momento chama-se Adriano. E todos pedem socorro.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Racismo em campo - Antônio Carlos Zago

Antônio Carlos Zago, bom zagueiro que se consagrou no célebre time do Palmeiras das temporadas 1993/1994, será o atual técnico do seu ex-time. Entretanto, não posso desejar boa sorte a uma pessoa assumidamente racista. Vamos recordar?

Em sua época de zagueiro do Juventude, já ao final da carreira, Antônio Carlos deu uma cotovelada no jogador Jeovânio, do Grêmio, em partida pelo Campeonato Gaúcho de 2006. Ao ser expulso, o ex-atleta saiu do gramado esfregando a pele com os dedos, em referência à cor da pele do rival.

Sendo assim, é difícil desejar boa sorte ao novo comandante palmeirense. Torço, apenas, para que ele tenha revisto sua postura e tenha alterado a maneira de pensar, passando a respeitar a diversidade étnica brasileira.

Ricardo Riso

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Maracanã: “ex-paço” público, espaço de exclusão

Do fim da geral à gradativa exclusão do negro dos estádios

Por Ricardo Riso

Até meados dos anos 1990 havia a famosa geral do Maracanã, o espaço mais barato e democrático do gigantesco (naquela época) estádio. Por conseguinte, o torcedor era obrigado a ficar em pé sob sol ou chuva e a permanecer no local de pior visibilidade, em que não conseguia ver a linha lateral do lado oposto ao seu. Esses exemplos demonstram o “respeito” que havia por parte dos administradores do estádio e dirigentes dos clubes com a parcela do público, de maioria negra e mestiça, que frequentava essa área.

Com o passar dos anos, as eternas reformas continuaram a sugar o dinheiro público em obras superfaturadas enquanto o gigante encolhia. Até que se decidiu adequar o estádio às exigências da Fifa, ou seja, somente lugares com assentos. Em nome dessa suposta modernidade, enfatizando o conforto, a ampliação do estacionamento, dos serviços, as áreas vips (sem negros), o preço dos ingressos que sofreu aumentos consideráveis nos últimos anos etc. o público do Maracanã clareou.

Tudo isso mascarou o desejo de excluir a população menos favorecida dos jogos, obrigando a população de origem negra a optar em ir a pouquíssimas partidas para não estourar o orçamento familiar, ou a não ir, simplesmente. O agravante dessa situação é que hoje temos uma juventude negra impossibilitada de acompanhar os jogos do seu time no estádio que se confunde com a alma do carioca.

Se João Saldanha fosse vivo, certamente seria uma voz contrária à opção elitista de público. João provavelmente abordaria a injustiça em excluir os negros dos estádios, pois se o futebol virou paixão nacional foi com a contribuição dessa parcela da população que, inclusive, forneceu os melhores jogadores que o país já viu.

Ah! Argumentam que as tv’s a cabo e os seus pacotes de pay-per-view mais os jogos nos canais abertos suprem essa carência. Pergunto: quem pode pagar o valor de uma assinatura de tv a cabo e, ainda, os pacotes dos jogos? E são raras as partidas que passam nos canais abertos. Ou seja, permanece inalterada a agonia do torcedor negro.

O que aconteceu no Maracanã é um exemplo do que vem ocorrendo nos outros estádios brasileiros. Preocupo-me com a elitização desenfreada do espetáculo esportivo mais popular do país e de como será quando começar a Copa do Mundo de 2014. Os preços serão exorbitantes, provavelmente. Logo, veremos os estádios onde o Brasil jogará com uma plateia sem negros e revelaremos ao mundo a nossa tão propalada democracia racial. E nossos estádios ficarão parecidos com o que acompanhamos nos ginásios de basquete da NBA: nas quadras, jogadores negros em sua maioria; nas arquibancadas, quando há negros, ou são ex-jogadores ou artistas consagrados.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

À procura da bola limpa


Bola limpa é aquela bola que o atacante com sua habilidade, astúcia e técnica ganha do seu adversário e a entrega em condições ideais de passe ou finalização ao seu companheiro, ou bola limpa é aquela bola que o zagueiro retira, de forma legal, do seu oponente e a recupera para o seu time, limpando a área e o perigo de gol.


A recente conquista do campeonato brasileiro pelo Flamengo, tendo Andrade como o primeiro técnico negro a ganhar este título, me fez recordar vários momentos em que o negro é inferiorizado e discriminado no futebol, o que poderia ser uma metonímia da sociedade brasileira. A soma dessas lembranças motivou a criação deste blog.


Sendo assim, proponho a discussão das relações étnico-raciais no futebol brasileiro, englobando as situações entre os jogadores, técnicos, dirigentes, torcidas e mídia, ou seja, questões pertinentes que raríssimas vezes são debatidas. Temas que são verdadeiras bolas divididas. Todavia, ao mencioná-las, espero contribuir para a reflexão acerca do racismo em nossa sociedade e quebrar os estereótipos impostos pela perversidade da linguagem estabelecida e sobre a figura do jogador negro, incluído no mundo do futebol como o artista da bola, porém excluído das posições de liderança e de “saber” que cercam este mundo.


E quem sabe um dia a diversidade étnico-racial brasileira seja respeitada não só no futebol, mas em toda a sociedade, e tenha a generosidade de um jogador que passa uma bola limpa ao seu companheiro.


Ricardo Riso