Por Ricardo Riso
A maior pena que existe para um crime no Brasil é de trinta anos. Mas desde 1950 eu sou condenado.
(Barbosa frase extraída do livro “A pátria em chuteiras – novas crônicas de futebol” de Nelson Rodrigues)
Aproxima-se uma nova estreia do Brasil em Copa do Mundo e urge recordar o jogador que sofreu a maior perseguição já afligida por um cidadão brasileiro, falamos do goleiro da Copa do Mundo de 1950, o negro Moacir Barbosa Nascimento. Pode-se perceber pela epígrafe que a declaração de Barbosa assinala a pena de vida à qual foi obrigado a viver até o dia 8 de abril de 2000, data de seu falecimento.
O drama do vitorioso goleiro Barbosa, nascido a 27 de março de 1921 na cidade de Campinas/SP, se deu após o chute fulminante do atacante uruguaio Ghiggia à meta canarinha, o fatídico gol que decretou a derrota brasileira, consagrando a seleção celeste bi-campeã na partida que entrou para a História como Maracanazzo. A tragédia maior do país, presenciada por duzentas mil pessoas, reforçou diversas máximas racistas ao jogador negro, a maior delas, talvez, a de que negro não serve para goleiro.
Esse fato motivou as artimanhas peculiares do racismo brasileiro e as suas formas perversas de exclusão. Conceito que somente foi revisto após a carreira brilhante do goleiro Dida, consagrado no Corinthians e no Milan italiano, tornando-se goleiro titular do Brasil na Copa de 2006, 56 anos depois de Barbosa. Repito: 56 anos se passaram para que um excepcional goleiro negro pudesse voltar ao gol da seleção e rompesse a barreira do preconceito.
Em razão do distanciamento temporal e das raras imagens da partida - eu, por exemplo, até hoje só vi o lance do gol, mesmo assim já com Ghiggia próximo ao gol brasileiro -, válida é a frase de Nelson Rodrigues nove anos após a funesta derrota nacional: “Quando se fala em 50, ninguém pensa num colapso geral, numa pane coletiva. Não. O sujeito pensa em Barbosa, o sujeito descarrega em Barbosa a responsabilidade maciça, compacta, da derrota. O gol de Ghiggia ficou gravado na memória nacional, como um frango eterno. O brasileiro já se esqueceu da febre amarela, da vacina obrigatória, do assassinato de Pinheiro Machado. Mas o que ele não esquece nem a tiro é o chamado frango de Barbosa.” (1)
Tristeza maior, e lembro-me muito bem dessa, se deu na concentração da seleção brasileira no dia 16/09/1993, durante as eliminatórias à Copa de 1994. O Brasil faria uma partida decisiva contra o Uruguai no Maracanã, caso perdesse não iria para o Mundial. Barbosa foi visitar a delegação nacional a convite de um jornal e foi sumariamente impossibilitado de falar com os jogadores, diante do absurdo argumento de que traria azar ao grupo. O agravante: nenhum responsável pela seleção brasileira, desde o técnico Carlos Alberto Parreira ao então e atual presidente da CBF, Ricardo Teixeira, veio a público se retratar, apesar da repercussão negativa do episódio à época (2). 43 anos depois e já com 72 anos, o goleiro ainda era estigmatizado pela derrota de 50. O azar sendo invocado para esconder o preconceito racial.
Barbosa foi quem mais penou com a derrota de 50, porém foi acompanhado, em menor escala, também pelos negros Juvenal e Bigode, este acusado de covarde por ter sido agredido pelo uruguaio Obdulio Varella. Essa foi a famosa agressão que ninguém viu, mas que a imprensa brasileira propagou nos anos seguintes, forjando mais um estereótiopo ao jogador negro: o de que era covarde.
Por isso, a razão deste texto, para demonstrar o quanto o preconceito racial brasileiro é perverso, capaz de condenar um grande goleiro por toda a sua vida apesar dos vários títulos que ganhou, tanto pela seleção brasileira (Copa América - 1949, Taça Rio Branco - 1950 e Torneio de Santiago do Chile - 1953), quanto pelo campeoníssimo Expresso da Vitória, o Vasco da Gama dos anos 1940/1950 (Campeonato Carioca de 1945, 1947, 1949, 1950, 1952 e 1958; Torneio Quadrangular do Rio: 1953; Torneio Rio - São Paulo: 1958; e Sul-Americano de Clubes: 1948). Vestiu a camisa do Brasil em 22 jogos, alcançando 16 vitórias, 2 empates e 4 derrotas. Defendeu as camisas do pernambucano Santa Cruz, e dos cariocas Bonsucesso e Campo Grande, clube no qual encerrou a carreira em 1960. (3)
Ao senhor Moacir Barbosa do Nascimento, onde quer que esteja realizando sensacionais defesas, aqui termino com carinho.
Ricardo Riso
NOTAS:
(1) RODRIGUES, Nelson. A pátria em chuteiras – novas crônicas de futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 69
(2) Daolio, Jocimar. A superstição no futebol brasileiro. In: Daolio, Jocimar (ORG). Futebol, cultura e sociedade. XXXX: Autores Associados, 2005. p. 10.
(3) MARTINS, Alexandre. Perfil de Barbosa – o goleiro do Maracanaço. Blog História do Futebol – Parte II. Em http://blog.cacellain.com.br/2009/05/29/perfil-de-barbosa-o-goleiro-do-maracanaco/ acessado em 14/06/2010.
FOTO 1 - Foto de Barbosa, site da CBF. Em < http://www.cbf.com.br/php/craques_copas.php?j=27 > acessado em 14/06/2010.FOTO 2 - Equipe titular da final da Copa de 1950. Em pé: Barbosa, Augusto, Juvenal, Bauer, Danilo Alvim e Bigode. Agachados: Johnson (massagista), Friaça, Zizinho, Ademir Menezes, Jair Rosa Pinto, Chico e Mário Américo (massagista). Foto do site da CBF. Em < http://www.cbf.com.br/php/copas.php?ano=1950 > acessado em 14/06/2010.